sábado, 17 de outubro de 2009
Três desenganados
era preciso, era extremamente necessário, imprescindível mesmo
que o troco de nosso amor corrido, prostituído em meio período
fosse o preço da consumação.
penas brancas
você pesa como 70 quilos de pena, meu amor.
essa tua bondade que me inibe o voo.
clandestino
atrás da moita tiro
meu seio pra botar na tua mão
só que meu coração vai junto.
Ana Claudia Abrantes
sábado, 10 de outubro de 2009
DEL
delícia dele delata
de leite em leite, de passo a passo
de grão semente à morte.
De leite em leite ela
delícia dele rápida
deleite em lente de tela em frente: memória
fraca...
Deleite em leite ela
delícia dele dilata
de grão em grão acaba a história
delete.
Ana Claudia Abrantes
09/10/2009
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Saudade
Mas confesso que, hoje, acontece uma estranha tranquilidade dentro de mim, quando alguém me dá a mão e rezamos um simples Pai Nosso. Aí eu lembro da mocinha que orava com os amigos e acreditava sinceramente que "onde estiverem dois ou mais reunidos em Meu nome, Eu estarei" (algo mais ou menos assim). Entretanto penso que a lógica é que Deus esteja onde houver um ou onde houver todos, mas entendo sinceramente o que aquele velho trecho da Bíblia queria dizer... Só não sei se argumentos lógicos têm algo a ver com Deus. Talvez tenham deveras. O que é estranho é que quanto mais pragmática eu fui ficando, mais um sentimento de espiritualidade foi perdendo a vez.
Confesso que, apesar de tudo isso, há algumas pessoas por quem eu oro com certa frequência, (embora bem mais rápido do que eu gostaria), há alguns dias em que eu sinto necessidade de agradecer a Deus sem exatamente saber o quê, há algumas vezes em que eu O imploro sem palavras. Confesso que quando não consigo orar, quando não me sinto cheia da graça de Deus, fico com o coração entregue se alguém diz: "Estou orando por você e pelos seus". E se eu sinto que é verdade.
Ana Claudia Abrantes
sábado, 12 de setembro de 2009
Talvez uma moça não deva reclamar de flores
Quando uma mulher recebe quase tudo de um homem é hora
de agradecer porque ele seria capaz de muito: ele lhe faria um banho de hidratante de pêssego, ele lhe alimentaria os filhos, mesmo bebendo também o seu leite, ele lhe faria um currículo lattes um dia inteiro. Quando uma mulher recebe de um homem quase tudo que ele poderia dar, não é justo
que se reivindiquem flores.
Flores dizem que a ausência vai em forma de beleza efêmera, mas o carinho é perene. E dizem mais: dizem que Vênus é uma estrela tola, mas encantadora, dizem que a alma da moça, que eles sempre mal conhecem, merece sutilezas, ainda que distantes.
Flores são para moças tristes.
E ela é uma mulher feliz...
É perigoso, injusto ou feio reclamar de flores.
Ana Claudia Abrantes
domingo, 2 de agosto de 2009
historinha
na janela do mundo
você passou na rua
quebrei o vidro e a janela
meu nariz ficou espremido
em você.
Ana Claudia Abrantes
Sem data
sexta-feira, 31 de julho de 2009
estrelas e cruzes
papéis soltos não são contra o vento,
voam as pernas dos capoeiristas,
o calor sobe em ondas
e alguns cantam para subirem os espíritos.
por outro lado franjas são pendentes,
as águas sempre escorrem
e há os que temem o céu descendo no último dia.
embora nem sempre as palavras deslizem,
a gravidade chama até a luz e mais nada escapa.
porque a vida é feita de norte e sul, estrela e cruz
e até mesmo um anjo,
um dia,
cai.
Texto - Ana Claudia Abrantes
(Escrito na mesma ocasião de "Estrela e cruz", mas reescrito agora.)
Fotos - Agatha Franco
São João Batista - Botafogo - Rio de Janeiro
quinta-feira, 30 de julho de 2009
brevíssimos X
do gelo seco não sai água.
sobre desistir
en saio saio saio saio saio
Ana Claudia Abrantes
Coma
Sempre que se está à espera uma sombra é figura.
Quando vultos de farelos caem da mesa eles correm.
Mas os farelos eram só a purpurina se soltando da toalha decorada.
Hoje nem tudo alimenta, mas tudo é brilho.
E todos os olhos fotofílicos se apertam no desespero das risadas.
Tudo que espera subsiste, enquanto tudo que queima morre mais depressa.
Ratos não queimam espontaneamente.
O jantar acabou e eles sobem até a tábua.
Os talheres frios, os copos abandonados, os restos inanimados, mas ainda odoríferos: subsistência.
O jantar corre sem o tilintar de garfos e pratos; não é uma festa.
E se come de pé, fazendo pequenos bolos com as mãos.
Há muito as velas se apagaram.
O silêncio escuro do jantar não abre sorrisos.
Ana Claudia Abrantes
Renitência
A água quente do chuveiro as elimina,
mas os buracos ficam.
Formigas fazem ninho nos meus pulsos.
A água quente do chuveiro as elimina,
mas elas sempre voltam.
Formigas fazem ninho nos meus pulsos.
A água quente do chuveiro as elimina,
mas não tapa os buracos.
Ana Claudia Abrantes
quarta-feira, 22 de julho de 2009
Espelho d'água em temporal
Mas lá no alto as copas continuam ilhadas diante das margens.
É que as árvores não são águas e vão velozes,
mas para o mesmo lugar de onde saem.
E elas nem sempre desenraizam, só ficam instáveis.
No espelho caudaloso, as árvores
são quase pastosas.
Na cascata célere, as árvores
saltitam.
Geralmente as copas não partem, são porto
para homens e pássaros.
Até que o rio espelho bota corpo
na tempestade
e reflete, fluvial, o movimento secreto
dentro delas.
Ana Claudia Abrantes
Magoado
Ana Claudia Abrantes
Negociando
adnax vasoconstritor,
bronquivita fluidificante,
soro fisiológico hidratante,
dipirona analgésico,
diclofenaco potássico anti-inflamatório,
mylanta plus digestivo,
bicarbonato de sódio básico:
São as minhas condições.
Ana Claudia Abrantes
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Perdida
virou ilha.
Ana Claudia Abrantes
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Inverno
- Está frio, mas não muito.
- E se eu estiver com febre? Você fala com mais carinho ou eu vou ter que implorar?
- Eu te amo. Desculpa qualquer coisa. E obrigado por tudo.
- Isso. Muito bem. Mais.
- Eu te amo, dá licença?
- Vai, você consegue, capricha!
- Eu te amo, desculpa tá, me dá licença, está servida? Eu te amo, fique à vontade, está gostando, precisa de alguma coisa?
- Talvez.
- Mas eu não te amo por favor nem obrigado.
- Eu te amo contudo e todavia, mas eu não te amo embora nem apesar.
- ...
- Brevíssimo?
- Encantado...
A.C.A.M. e K.K.A.
sábado, 11 de julho de 2009
Resposta
Ana Claudia Abrantes
trilha
Ana Claudia Abrantes
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Meio amor
Os substitutos, se não avisados por alguém ou por intuição, vão desprotegidos ao encontro do mal querer implícito. O substituto desavisado já começa querente, querendo ser amado sem condição ainda para tal. A condição é somente alheia, o substituto não dá as cartas: planta nova em jardim pomposo fica na sombra; recém-chegado no banco da frente pára no primeiro sinal; passageiro novo em ônibus lotado via Madureira-Bananal às oito horas, vai encontrar lugar? Há! O substituto ardoroso é ingênuo feito saia godê na ventania; sabe que não vai dar, mas insiste e sempre paga calcinha.
Já eu sou uma substituta orgulhosa irremediável. Faço questão de ser amada não. Sou só ensaio porque vivo sem patrocínio. E se ninguém paga pra ver, não sabe o que está perdendo. Porque o substituto orgulhoso pensa que pode cativar na passarela, só que ele não sai e dá-se o desperdício igual ao de pessoa genial em universo limitado. O substituto não tem chance. Mas tem sempre quem o queira como estepe da emoção, como segundo marcador de livros, como livro fácil pra descansar de Joyce ou da G.H. É útil.
O substituto não entra no portarretrato. Aliás, retrato não é coisa pra substituto, no máximo um digitalizado facilmente apagável, nada de impressão em papel. Substituto não vai pra estante. Substitutos só vão até a cama e o canto do quarto.
Sabe-se de histórias de substitutos que surpreendem, mas geralmente quando o titular era meio displicente. Quando no fundo no fundo ele não era tão bom assim. Então o substituto, inteligente, usa a ação e a sabedoria: faz e espera. Um titular forjado sempre é desmascarado e sua magnanimidade não cabe mais num copo. Se alguém me substituir ninguém vai chorar. E olha que eu até posso transbordar.
Mas se o titular é um mito, meu caro. Mitos são mais aderentes que fantasmas. Porque os meus fantasmas não passam por portas trancadas, tudo tem limite. Já o mito é a segunda pele das paredes, é a fada dupla presa em estrelas pequenas. Contra mitos não há argumentos e o substituto repete o C.A. porque não sabe rabiscar direito. É, afinal, o C.A. dos gênios, mas eu.
Bem, a substituta... No dia em que a substituta chegou a minha casa, ela se comportou sem pretensão, bem no lugar dela, como cabe às substitutas. E por isso pacientemente eu lhe ensinei a colocar os garfos e facas na posição que eu queria sempre e sempre insistia em dizer à outra; ensinei a pôr mais "comfort" no molho das roupas, como eu não tinha tempo de lembrar à outra; ensinei a colocar menos cominho na comida, como há muito eu pretendia dizer à outra. E a outra, sua parente, dizem que está até com ciúmes. Sem razão. Porque essa outra já havia pensado em se matar, e ter pensado em se matar pelo menos uma vez na vida é condição essencial pra ser alguém pra se gostar. É que, quando se quer muito, a vida é pouca.
Minha nova substituta não tem coisa vívida. Desde que seja vida já está bom. Ela não me toca nem gosta de música. Ela não tem vontade pulando dentro dela. Ela mistura pano de prato com pano de chão porque misturaria cigarro com sonhos. Ela não precisa de portarretrato, ela não pede nada. Parece só feita de dentes parcos, marido e filhos, muitos filhos. Ela precisa de leite, não de água. Minha substituta precisa do meu compromisso social, não do meu amor e isso me mata... Vou comprar uma pomada para as manchas do seu rosto porque eu gosto de arte e do que é belo e ninguém merece ver flores pisadas dentro de casa.
P.S.
No dia em que eu me cansar de ser uma substituta, plantarei um pomar só para mim. Lá eu terei maracujás e onze horas, e plantarei de novo manga-espada. No muro alto eu me colocarei, impressa, e ficarei ali aderida. Para que nunca ninguém venha me substituir no papel de hera.
Ana Claudia Abrantes
segunda-feira, 22 de junho de 2009
Unção extrema
Depois, Deus o dá aos homens. Será quando Ele tomará aquele vinho com a esquerda. E, então, levemente ébrio, perdoará todos os nossos pecados.
Ana Claudia Abrantes
22/06/2009
domingo, 21 de junho de 2009
ao molho pardo
escondidinho de camarão, escondidinho de carne seca, escondidinho de piranha.
dobradinha.
creme de abóbora com gorgonzola e juliana de legumes, caldo de piranha.
juliana escondidinha, dobradinha, na mesa:
caldo de juliana,
picadinho de juliana, juliana legume.
(Ùltima versão)
Ana Claudia Abrantes (e demais colaboradores!)
sexta-feira, 12 de junho de 2009
juliana
escondidinho de camarão, escondidinho de carne seca, escondidinho de piranha.
dobradinha.
creme de abóbora com gorgonzola e juliana de legumes, caldo de piranha.
juliana escondidinha, dobradinha, na mesa:
caldo de juliana,
picadinho de juliana, juliana legume.
Ana Claudia Abrantes
11 de junho de 2009
terça-feira, 9 de junho de 2009
O.caso de amor
Oco acaso, caso oco, ocaso.
Ana Claudia Abrantes
09 de junho de 2009
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Pomar de bergamotas
Quantas vezes ela não gostou e tentou expelir o esperma dele de volta, forçando a descida para as coxas, mas tanto não conseguiu quanto ninguém ficou sabendo. Dizem que algumas fêmeas de inseto conseguem... Ele também já quis botar o travesseiro na cara dela. Um dia ele gritou. Outro, disse amém. Teve dia que quase se socaram. Mas quanto de medo também pode construir castelos de mármore? Só que o mármore, que não tem cheiro, tem o pomar de bergamotas do castelo e isso inebria hoje o meu apartamento inteiro.
FIM
Nota do autor:
Melhor sair às pressas antes que a minha inveja se transforme em duas e o meu talento para entortar faça efeito por telepatia na vida dos outros. Não ter um amor assim também me deixa verde, mas pedir é sempre um erro, um convite, à miséria. Então recolho minha mão estendida, e fico toda me querendo, invisível.
Ana Claudia Abrantes
corte
Ana Claudia Abran.
terça-feira, 26 de maio de 2009
xeque-mate
ei, você que segue! não leia, não veja,
aquilo que te beija não é a virtude. deseja o poema primitivo ou o bom texto? pois meu fruto tem água ao morder; tem um gosto sumarento e cheiro de terra molhada escorrendo pela boca e pescoço. depois, não sei como eu mesma vou lambendo o veneno que me escorro dessa fruta doce, mas com a cica dos dias aqui. também da língua alheia sai palavra enfeitiçada, que me larga encantada na esquina. fico olhando frases que me dão as costas como tantas coisas belas pelas costas eu já vi, boas e ruins. risos. depois sinto o caroço_
o xeque-mate:
quando minha palavra morde a entrelinha, fiz um poema bom e paro.
Ana Claudia Abrantes
25/05/2009
Quase um haicai
Para surpresa de todos, um mundo iluminava-se bem ali, bem dentro, bem... dela.
Aí ela agarrou a rabiola de uma pipa que passava e voou, pra ver o sol.
Mas o menino cruzou linha de cerol e ela caiu bem no meio do mar azul.
Ana Claudia Abrantes
à espera
ficaria
para sempre
na fila.
Ana Claudia Abrantes
pelas entranhas
mas pelas entranhas é que se mede a natureza.
pela epiderme é que unguentos aliviam,
mas nas entranhas se dão milagres, como os filhos.
na epiderme, os perfumes e os cheiros sem banho.
nas entranhas, a memória disso tudo.
à medida que as entranhas plastificam as vontades,
a epiderme envelhece.
só quando as entranhas transcendem,
uma criança nasce.
Ana Claudia Abrantes
segunda-feira, 25 de maio de 2009
o que se é
ter não é ter tido
ter sido não é será.
porque ser é nome próprio
que nunca será descrito
a não ser que seja tecido no dia
e se apronte na hora
quente, feito pão.
Ana Claudia Abrantes
sexta-feira, 8 de maio de 2009
Estrela e Cruz
Por muitos meses, anos, você pensa isso e gosta de pensar, porque pensar é um alívio, pensar te suspende no tempo e você vê de novo: a calça clara, a blusa branca, as flores brancas e cada coisa, como devia ser, em seu lugar.
Ana Claudia Abrantes
08 de maio de 2009
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Sem palavreado
O azul do céu de dezembro não é o mesmo de março porque o azul do fim de março é quase frio.
Carinho de pé é tão bom quanto o de mão, só que melhor.
Orelha de cachorro é macia, mas você tem medo.
Liguei pra dizer que sinto falta, mas não é o mesmo que sentir sua falta.
Eu te amo não é moeda de troca, mas mentiras não são tão fáceis.
Dizer é árvore, é ponte, é palavra.
Subir é diferente.
É atravessar galho por galho até o outro lado, no topo e, lá de cima, reconhecer:
Ah! o amor!
... então e isso.
Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009
ressalva
empinar papagaio é coisa de menino, mas não no meu peito.
Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009
gradação II
tocar com a ponta dos dedos,
provar com a ponta da língua,
cair de boca.
Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009
(Serve pra sorvete, chocolate, cachorrinho, edredon fofo em dia de chuva, amigos, sambinha, cachoeira, cinema, namorado,pastel de queijo e salada de rucula, beterraba crua, agrião e tomate cereja.)
terça-feira, 21 de abril de 2009
Ordem e contra ordem
Ana Claudia Abrantes
21 de abril de 2009
Vesuv&ana
a intolerância contra seu próprio casulo, e se abra em leite. Vermelho e quente.
Derreter pedra não é coisa que se faça à toa, ou impunemente. Também não é coisa que se faça de imediato.
Para derreter pedra
antes
é preciso entender a dívida que se contrai com sua outrora perenidade,
é preciso aceitar a dívida por tê-la feito tirar os pés da terra firme,
é preciso acatar a dívida por desafiar o sólido, o solo e o sol. Porque do sólido é feito pasta ardente, o solo se afunda em pista ácida, e muda-se o sol do céu pra colocar no chão.
E a dívida com a pedra nunca se paga.
Afinal, era ela quem segurava os papéis contra o vento, era ela quem enfeitava a subida dos morros do Rio, era ela quem mantinha o protocolo de mármore.
A pedra não é essencialmente carinhosa; o corpo é que se amolda a ela para deitar ao sol. Mas, numa pedra, firmam-se os pés pra sustentar todas as certezas dos contos de fada, toda a arrogância ingênua das certezas rígidas, todas as certezas de fato e direito. Todas essas certezas, porém tão confortáveis...
Promessa de pedra não se quebra, derrete-se. Então é preciso derretê-la com muita força, medo, amor e hábito. É preciso derretê-la.
Mas a pedra cobrará seu crédito,
la-te-jan-do
todos os dias, pela manhã e à noite,
verdades ferventes, lembranças de sólida instabilidade e um amor de granito - o fogo eterno...
Pedra,
não ver o Vesúvio não significa não amá-lo _ cláusula pétrea _ para sempre.
Ana Claudia Abrantes
abril de 2009
(Para V.)
domingo, 12 de abril de 2009
ágeis e vítimas
águias paradas canalizam o silêncio. são antenas que captam o imprevisto, a imprudência. são ferozes que guardam as máscaras mortuárias, são algemas que prendem a inocência.
águias paradas absorvem o barulho, intermitente, dos outros pássaros. absorvem o canto e o movimento assustado, célere, dos passarinhos. e aquietam. atentas . anteveem a tontura da caça, a futura ausência do dono no ninho. águias paradas são bomba e relógio, separadamente. águias paradas são antes. são antes do próximo passo. ágeis são de repente: o céu, a garra e o nada.
já as águas paradas são lodo, são limo. canalizam folhas murchas e esqueletos de girinos que não vivem. águas paradas são charco e não é bom sonhar com elas. águas paradas decantam cativas do tempo. não cumprem a função de sempre escorrer; são ontem. águas paradas são mornamente em espelho: as árvores e o céu, mas, vítimas, entre quatro margens, ficam escuras.
águias paradas precisam estar em instante. pois águias paradas não podem, não devem, não querem ser águas paradas. embora nelas, nas águas, a vida continue insistindo (mesmo contra o acúmulo do tempo em camadas) e sempre vingue.
12 de abril de 2009
Ana Claudia Abrantes
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Só um pensamento:
acho que não tive meus filhos para ficar parindo os filhos dos outros, todos os dias.
É o que penso depois de ver e comparar os filmes "Palavra (en)cantada" e "Entre os muros da escola".
segunda-feira, 30 de março de 2009
Olhos fechados
a barba, o cabelo e o bigode, e se põe mais melanina.
Depois sorteia-se um tema, chacoalhando-se o saco, até cansar.
O tema é... movimento: escolhe-se, então, a técnica mais doce e mais ágil.
Mas, para o retrato ficar só adulterado, não partido, desenha-se com grafite, não tinta.
Depois é só lavar
e o retrato está novo.
Ana Claudia Abrantes
28 de março de 2009
cadastro
ao par.
mãos e braços para massageá-los, e só a esquerda para contar os sábios. com a direita, contar-se-ão os loucos, e seus menores estragos. um sexto dedo em uma das mãos seria
amor de contos
de fadas.
Ana Claudia Abrantes
28 de março de 2009
traição
na própria cama.
voou como se fosse contigo,
de propósito.
um acinte contra a tua ausência.
Ana Claudia Abrantes
28 de março de 2009
terça-feira, 10 de março de 2009
Flor de cáctus
Deixe a morte sair no teu grito, moço.
A morte, certeza do teu corpo, começo da tua vida,
vidência pura para quem nela crê.
Para quem crê que a arrogância, o urro o tapa a náusea a dor no apêndice compõem bem.
Sabe que te cai bem? Um chute no ventre de alguém que te feriu?
Sabe? Uma porradinha com anel de ponta num rosto liso de quem ainda não sofreu?
Te cairia bem um lanho cruzando o rosto da ponta do nariz à extremidade contrária dos olhos, moço: um pouco de dor superada com o peso dos anos. Pena que dos teus olhos, do alto da tua inocência, alguma coisa também cairia... Mas não tem jeito não, moço. Teu destino, o meu, o dele ali é uma cama de hospital em quinze dias entre internação e uti: rápido, ou a faixa de pedestres(!), ou, ainda, o chão da tua casa mesmo. Reze a Deus que seja o chão da sala. No intervalo entre o grito da primeira luz e o tal último suspiro, te cai bem um pouco de desgosto, moço. Porque a capacidade existe, viu. De corromper, de se deixar corromper voluntariamente em jogos de vai-e-vem. Então desgoste, vai. Desgoste um pouco de si, do outro, do coelhinho célere, da Giovanna. Porque o branco se tinge bem com uma pequena mancha de vermelho. Porque os olhos até têm certa beleza atrás das marcas. Porque sorriem um pouco bem os dentes encavalados. Porque os velhos têm olhos de quem sabe. Porque eu adorava meninos de aparelho. Porque o chão seco e craquelado abriga também a flor do cáctus.
Ser flor, ser cáctus, lama, lótus, pathos, fato, beijo, flatos, marcos, jacksons, robsons, fábios. São todos chão e céu e a vida segue. E a vida, ora serena, ora selvagem, te forjará o gosto por tudo isso, menino. Mas não sem o grito. E é provável que, embora tudo, sejas feliz. Pelo mesmo brilho dos teus olhos, que também compôem bem.
Ana Claudia Abrantes
Em 09 d março de 2009
sábado, 7 de março de 2009
amor em tese
amor em tese é amor que não está, que não tem gente, e a porta fica
batendo e abrindo com o vento.
Ana Claudia Abrantes
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Surpresa é...
Espelho escrito
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
minimalista
Ana Claudia Abrantes (para Fabrício)
Delicadeza
Ana Claudia Abrantes
tempo esgotado
Ana Claudia Abrantes
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
autoimagem (?)
Ana Claudia Abrantes
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
certeza
Sem data
Ana Claudia Abrantes
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
A vala que corre pela minha aldeia
Oswaldo Cruz é uma “cidadezinha qualquer”. Ali se fica. Mas, quando se desce na estação de trem, inadvertidamente com o tempo nos olhos, o valão é o Tejo.
10/02/2009
Ana Claudia Abrantes
Minha casa de Oswaldo Cruz
Sobre orgulho e rejeição, sobre amor e ranço, gosto e afastamento. Sobre o contraditório carinho à Itabira de Drummond, seu contraditório (des)apego à cidade e sobre a sensação, que às vezes tenho (como o autor), de não estar aqui onde vivo, mas lá. A sensação do estrangeiro na cidade, mas o desgosto do nativo pela vila. É assim que sinto.
De Oswaldo Cruz e tudo que nele escolho como símbolo, herdei os sacos plásticos molhados e imediatamente grudados à parede “para secar”; herdei o sacolé de manga com leite, queimando frio a ponta dos dedos; herdei refresco de leite de coco com açúcar e muito gelo. Herdei não gostar de “pamonha, fresquinha, pamonha!”, herdei suco de caju, suco de caju, suco de caju de garrafa e a troca por pintinhos amarelos. Pipoca doce de panela, banana picadinha no feijão, arroz e ovo, macarrão com feijão, feijão com abóbora e azeite, ensopado de batata com calabresa. Farofa, sempre farofa.
De Oswaldo Cruz e tudo que nele escolho como símbolo, herdei a inveja do carrinho de rolimã dos meus irmãos, herdei ver briga de pipa, briga por pipa, briga de cachorro. Herdei pular corda “um homem bateu em minha porta...”, pular elástico, brincar de pique na rua com o gesso no pé, ser a última no pique-esconde do Carlinhos porque ele sabia mentir. Correr de bate-bolas e chorar se me pegassem, vestir um bate-bola no alto verão e adorar!
De Oswaldo Cruz e tudo que nele escolho como símbolo, herdei as coisas da casa completamente fora do lugar das coisas da casa, e herdei coisas da casa que eu nunca imaginava, coisas da casa que nunca faltavam, como uma caixa inteira de “liquid paper” fora da validade, comprada no Mercadão. Herdei nunca faltar material escolar, nem a nossa própria bomba de pneu de bicicleta, sempre alienada por um amigo dos amigos.
De Oswaldo Cruz e tudo que nele escolho como símbolo, herdei porta de banheiro que dá sempre para a cozinha, varandinha que se transforma em quarto, quarto que vira sala, corredor que vira banheiro, cachorros que viram gente.
Herdei festa junina de rua e disputa por vender o correio do amor. Herdei pedir dinheiro para as obras da igreja no sinal, montar barraquinha e vender caipi-fruta, herdei dançar quadrilha com o vestido mais bonito, depois cair no conto da caipira pra sempre. Herdei pertencer a todos os que a mim pertenciam, rir a noite inteira com os amigos por não ter dinheiro para sair. E herdei interpretar as peças mais engraçadas dos meus dezesseis ou dezoito anos.
De Oswaldo Cruz, herdei saber que o que não é meu não é meu, mesmo que eu não tenha nada e os outros, muito. Herdei saber também que é melhor que tudo o que toco seja meu, mas que nem tudo que defino é fato. Herdei condescendência e todo o martírio que dela pode advir, herdei a vontade de sumir, o medo de me expressar, a covardia e as pequeninas coragens.
De Oswaldo Cruz e tudo que nele escolhi bem ou mal, herdei a vontade de sair, a vontade de voltar sempre, o receio e o silêncio de voltar pra sempre. Herdei não saber o que fazer com as mãos e com os dias, a não ser escrever.
De Oswaldo Cruz e tudo o que nele escolhi, herdei ser a única menina, e a solidão. Herdei o silêncio. Herdei a vontade de ler livros, mas se acabarem os livros. Herdei ver tanta gente na esquina à toa, e o tempo passar sem o espaço. E o tempo passar sem que algo mudasse. Então herdei ser pedra e também não mudar, criar limo. Herdei até a pedra rolar.
E daí trago a lembrança de Fernando Pessoa: aquele rio que corre pela sua aldeia e que não é o Tejo, mas é mais belo que o Tejo, porque o Tejo não está ali na aldeia. Mas o valão, ao lado do “Buraco do Galo”, margeado pelas barraquinhas de cerveja e comida; o valão, aclimatado pelo batuque intermitente, o valão também não é, não pode ser o rio de uma aldeia. O valão é menos que “gente humilde”, é tão jeca tatu, tão churrasco, tão pronome neutro. O valão é o balcão da loja com a cerveja do fim-de-semana, é o salto alto e os vestidos colantes com decotes profundos; o valão é o Faustão, é o Big Brother Brasil, é o não-alfabético, é o pagode. Por outro lado é o samba que herdei dos pés da Cláudia e já levei para a Lapa, pra Tijuca, pra Santa Teresa e levarei sempre a todos os lugares do mundo, inclusive aqui dentro...
De Oswaldo Cruz e tudo o que me define, herdei aprender a orar e a apreciar. Não exatamente um Homem, mas as pessoas. E talvez não exatamente as pessoas, mas a vida. Não sei bem, mas hoje parece ter sido um dia bom, depois de atravessar o valão.
Ana Claudia Abrantes
10/02/2009
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Egoísta
Educar é pedra na pedra
e pedra na pedra sai faísca...
Educar é isca perdida e perdida,
engordando peixes.
Uma hora, uma cocoroca gorda morde,
e então todas as outras iscas valeram a pena.
Educar dá briga
de não querer sair.
Educar é egoísta amor pela vida, não exatamente pelo outro.
Ana Claudia Abrantes
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
Rosa de pedra
Giovanna é uma rosa de pedra. Ela não tem sede. Como rosa é rainha, e como pedra é retesada. Giovanna é dura como a mais bela não poderia e, como pedra, ela teme a água. Teme o lume que dela a água faria: rosa fraca desfolhada. Botão hidrofóbico encharcado não se abre ou, se abre, quebra. Rosa quase verde, quase cálida, rosa sem jardim. Giovanna com água é pedra em genuflexão e, porque se inclina, perde sua natureza excêntrica de pedra. Uma pedra não se rende, Giovanna.
Giovanna não sabe que eu tenho sede. Uma sede infinita e ancestral. Não sabe que amor e água são a minha inteira natureza. E que todas as criaturas do mundo têm sede na minha memória.
Giovanna molhada chora. Ela está morrendo agora, bem na minha mesa, de tanto amor que eu lhe dei.
Ana Claudia Abrantes
12 de janeiro de 2009
Alguma aurora
Nunca estive tão encharcada
na água suja e fria das poças de verão.
Nunca estive tão encharcada
em sangria que sobrou de 2008.
Nunca estive tão encharcada em honey mustard.
Nunca estive tão mais que úmida, tão súdita, tão sem nome
Nunca estive tão puzzle
e, tão súbita, única poeta que sobreviveu.
Nunca estive tão só e tão em frente sem saber...
Nunca estive tão apesar de.
Nunca estive tão chuva, tão culpa, tão runas, tão tarô.
Nunca estive tão hídrica, em fim.
Nunca estive tão meio-centro, tão lenta: tonta, tão líquida: tinta, tão tom.
Nunca estive tão noite escura da alma e alguma aurora.
Ana Claudia Abrantes
janeiro de 2009
palíndromos
a coragem que vem da derrota é humana.
Ianai, Hanah, Ana, amar rama
a coragem que vem da derrota é humana.
Ianai, Hanah, Ana, amar rama
a coragem que vem da derrota é humana.
Ianai, Hanah, Ana, amar rama
humana é a derrota que vem da coragem
de amar.
Ana Claudia Abrantes
08 de janeiro de 2009