terça-feira, 24 de setembro de 2013

Álvaro

O meu filho não me prolonga; ele é todo ele, imensamente.
Escrever um livro é esforço vão.
Inútil cada palavra escrita na minha insônia.
Na minha cama cômoda e sem mel, cada palavra dita é dita à toa.
Tudo é vaidade e nada fica.

Por isso não risco troncos já tão feridos do amor dos outros.
Tampouco digo adeus às despedidas.
De cada adeus acolho seus abismos e aceito
o voo certo, preciso, endereçado
dos meus amores
para longe e nunca mais.

Eu.
Não plantei uma árvore.
Mas fico.
Eu sou a raiz serena de planta frutífera,
que no sereno, orvalhada e úmida,
dispersa a alma já difusa,
e o corpo rijo concretamente congela
na tua fotografia digital.
E beijo tua boca umas quatro vezes ao dia
pela tela do meu celular.
Nada.

Nada marca a minha passagem.
O esquecimento é inevitável e qualquer glória seria vã.
Nem a tua passagem se marca, Álvaro.
Só existe o caminho, que deve ser trilhado pelos dois deveras,
onde o nosso amor alegre
delicado como uma ternura
se desencontra
no infinito.



Ana Claudia Abrantes

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Vidros fechados

Escuto você chorando, mas você não está chorando. Vejo o brilho da festa, de muito longe. Os bombeiros passam.
Carrego, a partir das nove ou das dez
o peito aberto e a janela de vidro, fechada; lá fora é fresco demais.
Na minha noite sem sono e sem sexo, cruza o voo de um pássaro pela janela; um pombo, um morcego talvez.
São três, são quatro, são cinco; o voo é curvo, a noite é cinza, a alma pesa.
Não cai o pássaro com o peso da alma, não cai o sono.
Escuto você chorando, mas você não está chorando. Escuto você chorando, mas você não está chorando. Escuto você chorando, mas não.
Este à janela sou eu.



Ana Claudia Abrantes