quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sem palavreado

Não se descreve o gosto de fruta-do-conde para um gaúcho, mas não é igual jabuticaba.
O azul do céu de dezembro não é o mesmo de março porque o azul do fim de março é quase frio.
Carinho de pé é tão bom quanto o de mão, só que melhor.
Orelha de cachorro é macia, mas você tem medo.
Liguei pra dizer que sinto falta, mas não é o mesmo que sentir sua falta.
Eu te amo não é moeda de troca, mas mentiras não são tão fáceis.

Dizer é árvore, é ponte, é palavra.
Subir é diferente.
É atravessar galho por galho até o outro lado, no topo e, lá de cima, reconhecer:
Ah! o amor!
... então e isso.




Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009

ressalva

provar com a ponta da língua é um privilégio.
empinar papagaio é coisa de menino, mas não no meu peito.




Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009

gradação II

olhar com rabo de olho,
tocar com a ponta dos dedos,
provar com a ponta da língua,
cair de boca.




Ana Claudia Abrantes
22 de abril de 2009

(Serve pra sorvete, chocolate, cachorrinho, edredon fofo em dia de chuva, amigos, sambinha, cachoeira, cinema, namorado,pastel de queijo e salada de rucula, beterraba crua, agrião e tomate cereja.)

terça-feira, 21 de abril de 2009

Ordem e contra ordem

Nada há de imperativo no meu comentário; nada em mim é muito imperativo. Apenas aponto um dedo imperialista quando estou afirmativa; por te querer, Norma, tão longe que eu possa te medir melhor. Mas não me aponte; aponte as palavras (a ponte: as palavras), assim me calo. Se é uma ordem , minha vontade é nenhuma. Se o tom é áspero, então não me apaixono. Se tem de ser agora, eu não faço. Manda quem pede por favor, obedece quem fica de quatro. Nada que me impera me prende. Não por todo o tempo. Mas vivo subjúdice ao poema. E, por isso, tantas vezes, aparentemente muda.




Ana Claudia Abrantes
21 de abril de 2009

Vesuv&ana

Para derreter pedra é preciso muito mais que fogo. É preciso mais que insistência. É preciso ser mais que contínuo ou intermitente. Para derreter pedra é preciso que a terra sue, que a terra babe
a intolerância contra seu próprio casulo, e se abra em leite. Vermelho e quente.
Derreter pedra não é coisa que se faça à toa, ou impunemente. Também não é coisa que se faça de imediato.
Para derreter pedra
antes
é preciso entender a dívida que se contrai com sua outrora perenidade,
é preciso aceitar a dívida por tê-la feito tirar os pés da terra firme,
é preciso acatar a dívida por desafiar o sólido, o solo e o sol. Porque do sólido é feito pasta ardente, o solo se afunda em pista ácida, e muda-se o sol do céu pra colocar no chão.

E a dívida com a pedra nunca se paga.
Afinal, era ela quem segurava os papéis contra o vento, era ela quem enfeitava a subida dos morros do Rio, era ela quem mantinha o protocolo de mármore.
A pedra não é essencialmente carinhosa; o corpo é que se amolda a ela para deitar ao sol. Mas, numa pedra, firmam-se os pés pra sustentar todas as certezas dos contos de fada, toda a arrogância ingênua das certezas rígidas, todas as certezas de fato e direito. Todas essas certezas, porém tão confortáveis...

Promessa de pedra não se quebra, derrete-se. Então é preciso derretê-la com muita força, medo, amor e hábito. É preciso derretê-la.
Mas a pedra cobrará seu crédito,
la-te-jan-do
todos os dias, pela manhã e à noite,
verdades ferventes, lembranças de sólida instabilidade e um amor de granito - o fogo eterno...

Pedra,
não ver o Vesúvio não significa não amá-lo _ cláusula pétrea _ para sempre.


Ana Claudia Abrantes
abril de 2009

(Para V.)

domingo, 12 de abril de 2009

ágeis e vítimas

entre quatro margens e o céu, o tempo corre, ou pára.

águias paradas canalizam o silêncio. são antenas que captam o imprevisto, a imprudência. são ferozes que guardam as máscaras mortuárias, são algemas que prendem a inocência.
águias paradas absorvem o barulho, intermitente, dos outros pássaros. absorvem o canto e o movimento assustado, célere, dos passarinhos. e aquietam. atentas . anteveem a tontura da caça, a futura ausência do dono no ninho. águias paradas são bomba e relógio, separadamente. águias paradas são antes. são antes do próximo passo. ágeis são de repente: o céu, a garra e o nada.

já as águas paradas são lodo, são limo. canalizam folhas murchas e esqueletos de girinos que não vivem. águas paradas são charco e não é bom sonhar com elas. águas paradas decantam cativas do tempo. não cumprem a função de sempre escorrer; são ontem. águas paradas são mornamente em espelho: as árvores e o céu, mas, vítimas, entre quatro margens, ficam escuras.

águias paradas precisam estar em instante. pois águias paradas não podem, não devem, não querem ser águas paradas. embora nelas, nas águas, a vida continue insistindo (mesmo contra o acúmulo do tempo em camadas) e sempre vingue.



12 de abril de 2009
Ana Claudia Abrantes

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Só um pensamento:

Entre paredes, um milagre todos os dias:
acho que não tive meus filhos para ficar parindo os filhos dos outros, todos os dias.


É o que penso depois de ver e comparar os filmes "Palavra (en)cantada" e "Entre os muros da escola".