quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Segredos simples




não se contam.
Um grilo, sobre pernas suavíssimas, pousaria sobre um peito sem acordá-lo.
A borboleta baila se adequando aos dedos que brincam com as asas amarelas.
A matéria de tudo o que é suave é leve, e é sucinto o nem se pode contar:
como ao beber água fresca: deixo-a pingar e não enxugo a boca,
como eu que vejo um buquê de flores do campo e o quero,
como minhas vontades de tomate,
como ter gosto de ver um carinho ousado de casal.

Há coisas que não se contam.
É do gato descer as escadas sem ranger degraus nem assustar a casa.
É da teia capturar o inseto sem antes ameaçá-lo.
O que não se pode contar não se pode conter.
O que te conto, não.





Ana Claudia Abrantes

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Quarto de despejo




Quanto maiores
os cílios
acumulam mais poeira.
Tapetes quanto mais felpudos: poeira.
Cortinas bem decoradas, poeira.
As pucumãs debaixo das escadas,
o pó decantado nos degraus.
Cobrindo o tempo nos móveis,
os lençóis acumulando ácaros.

O tempo parando nas casas,
o tempo no abandono dos quartos de despejo,
o tempo mal iluminado.

Poeira. Purpurina neutra salpicada com cuidado sobre as horas,
brilhando no feixe da tarde que insiste
em entrar pelo vidro da janela fechada.

A poeira aderindo à pele, no exame da ponta dos dedos
que passam
sobre a superfície da estante e da mesa, sobre a capa dos livros.

Os cílios,
quanto mais felpudos e bem decorados: poeira e rímel.
Uma camada negra e grossa de delineador
desde o canto até as extremidades.
Os olhos
por baixo da poeira dos cílios enfeitados
ainda reconhecem o que os dedos tocam:

as cinzas,
salgando a delicada aspereza, lenta, dos dias.




Ana Claudia Abrantes

sábado, 3 de dezembro de 2011

lamento

uns olhos faiscantes e só um pouco diabólicos, uma gargalhada de todas as portas abertas.
mas saiu como um cavalo selvagem de cabeça baixa.



A.C