terça-feira, 31 de julho de 2012

Afiada entre as árvores




Um pomar de frutas cítricas, tantos espinhos.
Área pouca entre os troncos magros.
Entre os espaços,
linha de pipa desordenada liga:
cama-de-gato.
Tronco a tronco a tronco até que
todas as árvores estão ligadas.

O velho menino deu os nós, firmes.
A menina velha mistura, prepara,
o casal passa.
É uma cama-de-gato ríspida, cortante
de cerol e mágoa.

É ali que brincam, que lacrimejam e saltam
em malabarismos quase belos, e inconsequentes.
No triângulo entre as linhas, ela tenta
uma ponte,
mas esquece os pés, que levemente se rasgam.
No losango de cerol, ele tenta
cruzar em cambalhota, mas arranha as costas
no próprio vento.

No pomar, tudo parece calmo, tudo se cala.
Só as estripulias de esperança, ineficazes,
tremem as linhas, balançam galhos.
Caem os frutos mornos, maduros,
o chão os acolhe e se acalma.

O ar é que então exala
o cheiro doce cada vez mais doce
da queda dos frutos,
do sangue das pequenas feridas,
das coisas que há horas já ultrapassaram a sua hora.


Ana Claudia Abrantes

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Condomínio

700 casas coloridas, ordenadas em sequência
de tom em tom.
Como se houvesse quadras
decoradas por canteiros,
como se os canteiros fossem
perfilados de angélicas
e o perfume completasse
a beleza das calçadas.
Como se em cada esquina, delicados postes fossem
alimentados;
como se houvesse homens
e os homens trocassem
as lâmpadas queimadas;
como se os casais trocassem
afagos,
como se os afagos fossem
pássaros,
que sempre voltassem aos mesmos lugares,
mas sem a impertinência das moscas,
sem a impertinência dos maridos,
que põem a mão na bunda das mulheres
e se masturbam
enquanto elas dormitam.

Como se os jardins de inverno redimissem
as faltas que,
lentamente,
eles e elas veem nos seus olhos de repente.

O projeto paisagístico não salva.
É uma guerra de raízes sob a terra,
São as forcas de cipó sobre a copa das árvores.
As pessoas continuam nos jardins, na piscina, no deck molhado.



Ana Claudia Abrantes

sábado, 7 de julho de 2012

o que dói em mim

mover-me é o que dói em mim, quedar-me é o que dói em mim,
querer é o que dói em mim.

A.C.
(Porque li isso aqui: http://laramaral-teatrodavida.blogspot.com.br/ : "tentando ignorar o gosto amargo de tanta espera.")

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Marquises

Depois da chuva de sábado, espera-se
que o tronco de árvore perdido seja encontrado no rio, mas que as folhas espalhadas pelo vento virem pássaros que revoaram.


Depois da chuva de sábado, aguarda-se
que a vida numeral, cotidiana não se meta a sílfide, mas que lhe aliviem antiespasmódicos contra as cólicas, que sempre vêm.
Que os médicos possam receitar o estritamente necessário,
que os psicotrópicos não curem a alma, mas ajudem a trabalhar duro até a aposentadoria.

Que os querentes trepem lentamente com os putos e as putas,
que haja garotos de programa de serviço completo, inclusive a conchinha.

Com a chuva deste sábado, aguarda-se
que os desconhecidos dividam algo,
que a delicadeza suspenda, por um tempo, a hipocrisia.
que os homens se reencontrem por instantes, se acalentem
nas marquises, nos quartos, nos motéis,
sob viadutos e escadas.




Ana Claudia Abrantes

domingo, 1 de julho de 2012

choque

diástole e sístole
não podem empatar.
ainda há desilusão
para um coração
que não pulsa?


A.C.
(Depois de ver A noiva cadáver, aliás uma delicadeza a cena da matéria se transformando em borboleta.)

Eu te amo, eu diria.

Rompida a barreira da voz, eu também ouviria e teria vontade, não sei o que mais te daria. Mas teria desejo de fazê-lo. O problema é que o som é mais lento que a luz e eu vi o seu rosto antes de tudo.

A.C.