segunda-feira, 19 de julho de 2010

Literatura de Cordel - uma experiência. (O dia em que Deus deu folga ao inferno)




Foi um tempo de tristeza,
desses tempos agourados,
pois a tal moça singela
que um dia viu o diabo
demorou, mas, sim, danou-se.
Misturou-se em mesmo saco.

Namorada do Sem Nome,
uma amante dedicada,
sendo só por ele amada,
e querendo ser galada,
foi bondosa, resguardou-se
pra tentar salvar-lhe a alma.

...

Mas a alma corrompida
de Anjo que é do céu caído
tinha atos só pra moça,
para a moça e para o inferno.
O amor que o homem tinha
era só para a guria
e também pro tal castelo...

"O bondoso é bom pra todos" -
Pode ser que o Senhor diga.
Só quem sabe é quem mais sofre.
Sabe a dor de Heathcliff?
Pois Tinhoso era esse tipo.
Catarina, amando o Bicho,
uivaria, assim, feliz.

Redenção não haveria
para amável Capiroto.
A mulher não poderia
proteger o seu pescoço.
Pois juntou-se ao Tal nas manhas,
aprendeu, então, um pouco
do amante umas façanhas.

...

Por amor, Nossa Senhora,
valha a massa brasileira!
Que a mulher, em certa feita,
quis fazer uma proeza:
o profundo de um desejo
reuniu na sua sina
e pregou uma mentira.

Sai de baixo, sai de cima,
sai do meio, sai da esquina,
sai da rua, sai da casa,
sai do quarto, sai da sala
sai da frente, sai do lado,
sai do tudo, sai do nada!

Barbazul não é tão mau,
só queria era danar
cada jovem desleal.
Escondido atrás do enxofre
e das mãos de alçapão,
Barbazul também sabia
que ele tinha um coração.

Coração cheio de escudos
com as armas arroladas,
reunidas desde a infância
do Capeta em menino,
o horror Barbazulzinho.
Com o peito amargurado,
descobriu-se atraiçoado.

Como é triste o dia D,
Quando a Besta também chora.
Mais sofrido é não se ver,
ao seu lado, sua Senhora,
que o Fel mandou embora.
Pois do céu de onde ele veio,
caiu Lúcifer um dia.
E do Hades, sem floreios,
Cai Perséfone agora.

TUM
TUM
TUM!

...

Contra Deus ou contra os deuses
essa história não vigora.
Mas também contra o Amor
não é bem chegada a hora.
Os Demônios também amam,
tão amantes que é o diabo.
A paixão dos Pestilentos
tem a força de Tanatos.

Pois um doce era a menina
tão alegre e inda sincera.
Céus e infernos resolveram
que a mulher não merecia
ser julgada à revelia.
E os Canhetas assinaram
que o engodo era quimera,
e até dos Céus se ouvia:
"Escamoso, cuide dela!"

...

Sete Peles já sentiu
um alívio tão danado
quando a moça lhe sorriu
numa volta ao seu reinado.
Para o trono os dois seguiram,
sem os dramas derradeiros.
E fizeram amor autêntico
que aprenderam com os deuses,
praticando-o em seu reino.


(Chegando a esse ponto o narrador confunde propositalmente as noções de Hades, inferno e Diabo... Mas decide continuar a história, que julga mais bonita assim.)


Nesse dia, o barqueiro
nenhum óbolo aceitou.
Ancorou junto ao portão,
as entradas atrasou.
Todas almas malogradas
foram mesmo adiadas,
pra que o homem acolhesse,
na alcova então divina,
o retorno da rainha.

Mesmo em fé politeísta,
heresias e adultérios,
porque sério era o Amor,
um honesto sentimento,
não seriam os atores
empecilho ao cumprimento.
Nem por serem os pagãos,
ou porque, amasiados
seu laço era condenado.

Pra que houvesse todo tempo
pra que o amor se consumasse
e valesse o bom intento
da celeste e da vil classe,
Deus deu folga para o inferno! (O narrador sorri bondosa e abertamente) ...
Que os mortos esperassem!
Que fechassem as passagens!
Que o instante demorasse
pra Perséfone e pra Hades...


Ana Claudia Abrantes
18 e 19 de julho de 2010

4 comentários:

Alberto disse...

O comentário se faz desnecessário diante de tal poder literário. Desarma o cérebro, deixando-o ocupado em admirar e esquecido do queixo, que permanece caído até uma mosca entrar. Mas sou assim mesmo, meio fútil.

Ana Claudia disse...

1) ?
"tal poder" - não, obrigada, é só uma experiência.
2) Há textos e pessoas de todos os tipos e, às vezes, com as duas características ao mesmo tempo. Tem gente que ora é fútil, ora é fúcsia. :-)

Alberto disse...

É, sou hiperbólico. .-.

Ana Claudia disse...

:-)