sexta-feira, 2 de julho de 2010

Porque é preciso

Por tudo que é mais sagrado manchamos tudo que é mais sagrado.

Por todas as verdades necessárias porém mal ditas,
todas as malditas mentiras bem ditas,
pelo engenho em dizê-las.
Pela arte de acreditar no que dizemos e no que dizem os seres amados,
mesmo sendo falsos os seres e as emoções.
Por tudo que nos é caro e que nos vem barato,
pela frígida certeza de ter
e por tratar como possuído o que se tem de fato.
Por lidar sem dor com o que se perdeu amargamente,
por seguir um caminho de formigas,
é que estamos vivos.

Porque se todas as verdades fossem bem ditas,
todas as mentiras, mal ditas,
porque se desacreditássemos em nós mesmos ou nos amores,
mesmo sendo claros,
porque se pagássemos o preço de tudo o que nos é caro,
porque se tivéssemos a certeza de ter
e ficássemos mais que satisfeitos com a certeza, felizes!
porque se deixássemos doer tudo o que doeu amargamente...
porque se escolhêssemos uma formiga igual a todas as outras e a seguíssemos no caminho de formigas,
estaríamos mortos.

Das coisas profanadas renascemos,
cada vez que uma mentira vem,
violentando o material de que supomos ser feitos:
triunfos humanos.

O engodo disso tudo é preciso,
e por isso tudo é que é preciso:
por tudo que é mais sagrado mancharmos
tudo que é mais sagrado.



Ana Claudia Abrantes

Nenhum comentário: