sexta-feira, 8 de maio de 2009

Estrela e Cruz

Quando um jovem que você ama demais morre, todos os dias, durante alguns anos, você pensa que ele está entrando pela porta e você sabe que ele está com a mesma calça jeans clara e uma daquelas blusas brancas de algodão de que gostava. Ele, como sempre, não chega em silêncio e já faz cara de susto-rindo por causa do seu cabelo, ou começa, mal entra, a contar uma coisa que aconteceu no trabalho. Sempre algo engraçado ou extremamente simples. Quando, todos os dias, você pensa isso, sabe que ele não vai entrar, mas, ao mesmo tempo, você não sabe. Mesmo. Porque pensar que ele chegou como chegava, fazendo o barulho do molho de chaves, segurando uns óculos escuros ridículos com os quais ele se achava o máximo, dá uma coisa. Quando você pensa que ele entra fungando discretamente de rinite alérgica, você pensa e sente uma ternura serena pela vida e pela vida dele e, nesse minuto, todos os dias, você é feliz. Depois, você monta um álbum fotobiográfico com a farda, com as danças, com o carro dele. E na capa do álbum há uma flor branca porque ele gostava de flores brancas. Quando você folheia o álbum, curiosamente você pensa que os passos atrás de você, você pensa que aquele barulho no portão, pensa que o carro chegando, pensa que aquela voz, você pensa que a voz do outro é a mesma, que o gesto dos outros três são tão irmãos, mas, talvez, nunca o mesmo coração... Você pensa, de verdade, em sonho agora e pesadelo ontem. E ele vai rir e dizer que você estava gritando, dizendo coisas desconexas num pesadelo do qual ele teve de vir te acordar. E te diz com carinho e aquela blusa branca que você volte a dormir.
Por muitos meses, anos, você pensa isso e gosta de pensar, porque pensar é um alívio, pensar te suspende no tempo e você vê de novo: a calça clara, a blusa branca, as flores brancas e cada coisa, como devia ser, em seu lugar.

Ana Claudia Abrantes
08 de maio de 2009

3 comentários:

Carol disse...

Belo e triste. Mui triste.

Ana Claudia disse...

...

Roberta Saavedra disse...

"pensar te suspende no tempo e você vê de novo" pensar acarreta na nostalgia...