quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Saudade

Eu confesso que sinto falta de Deus. Confesso que já me achei uma tola pelo tamanho da fé que tive comigo um dia. Confesso que minha fé começava em Deus e se estendia a todas as pessoas ao meu redor e talvez até a mim mesma. Confesso que depois de uma oração eu me sentia renovada e era capaz de quase tudo de bom. Confesso que às vezes eu sinto saudade de "mim um dia".
Mas confesso que, hoje, acontece uma estranha tranquilidade dentro de mim, quando alguém me dá a mão e rezamos um simples Pai Nosso. Aí eu lembro da mocinha que orava com os amigos e acreditava sinceramente que "onde estiverem dois ou mais reunidos em Meu nome, Eu estarei" (algo mais ou menos assim). Entretanto penso que a lógica é que Deus esteja onde houver um ou onde houver todos, mas entendo sinceramente o que aquele velho trecho da Bíblia queria dizer... Só não sei se argumentos lógicos têm algo a ver com Deus. Talvez tenham deveras. O que é estranho é que quanto mais pragmática eu fui ficando, mais um sentimento de espiritualidade foi perdendo a vez.
Confesso que, apesar de tudo isso, há algumas pessoas por quem eu oro com certa frequência, (embora bem mais rápido do que eu gostaria), há alguns dias em que eu sinto necessidade de agradecer a Deus sem exatamente saber o quê, há algumas vezes em que eu O imploro sem palavras. Confesso que quando não consigo orar, quando não me sinto cheia da graça de Deus, fico com o coração entregue se alguém diz: "Estou orando por você e pelos seus". E se eu sinto que é verdade.


Ana Claudia Abrantes

sábado, 12 de setembro de 2009

Talvez uma moça não deva reclamar de flores

Talvez as escolhidas tenham amores sem delicadezas instituídas.
Quando uma mulher recebe quase tudo de um homem é hora
de agradecer porque ele seria capaz de muito: ele lhe faria um banho de hidratante de pêssego, ele lhe alimentaria os filhos, mesmo bebendo também o seu leite, ele lhe faria um currículo lattes um dia inteiro. Quando uma mulher recebe de um homem quase tudo que ele poderia dar, não é justo
que se reivindiquem flores.
Flores dizem que a ausência vai em forma de beleza efêmera, mas o carinho é perene. E dizem mais: dizem que Vênus é uma estrela tola, mas encantadora, dizem que a alma da moça, que eles sempre mal conhecem, merece sutilezas, ainda que distantes.
Flores são para moças tristes.
E ela é uma mulher feliz...
É perigoso, injusto ou feio reclamar de flores.




Ana Claudia Abrantes

domingo, 2 de agosto de 2009

historinha

meu nariz espremido
na janela do mundo
você passou na rua
quebrei o vidro e a janela
meu nariz ficou espremido
em você.





Ana Claudia Abrantes
Sem data

sexta-feira, 31 de julho de 2009

estrelas e cruzes





papéis soltos não são contra o vento,
voam as pernas dos capoeiristas,
o calor sobe em ondas
e alguns cantam para subirem os espíritos.

por outro lado franjas são pendentes,
as águas sempre escorrem
e há os que temem o céu descendo no último dia.

embora nem sempre as palavras deslizem,
a gravidade chama até a luz e mais nada escapa.
porque a vida é feita de norte e sul, estrela e cruz
e até mesmo um anjo,
um dia,
cai.




Texto - Ana Claudia Abrantes
(Escrito na mesma ocasião de "Estrela e cruz", mas reescrito agora.)
Fotos - Agatha Franco
São João Batista - Botafogo - Rio de Janeiro

quinta-feira, 30 de julho de 2009

brevíssimos X

não peremptório

do gelo seco não sai água.






sobre desistir

en saio saio saio saio saio




Ana Claudia Abrantes

Coma

Ratos alimentados podem fazer parte da história. Os ratos chegam antes do jantar e ficam à espera.
Sempre que se está à espera uma sombra é figura.
Quando vultos de farelos caem da mesa eles correm.
Mas os farelos eram só a purpurina se soltando da toalha decorada.

Hoje nem tudo alimenta, mas tudo é brilho.
E todos os olhos fotofílicos se apertam no desespero das risadas.

Tudo que espera subsiste, enquanto tudo que queima morre mais depressa.
Ratos não queimam espontaneamente.
O jantar acabou e eles sobem até a tábua.
Os talheres frios, os copos abandonados, os restos inanimados, mas ainda odoríferos: subsistência.
O jantar corre sem o tilintar de garfos e pratos; não é uma festa.
E se come de pé, fazendo pequenos bolos com as mãos.
Há muito as velas se apagaram.
O silêncio escuro do jantar não abre sorrisos.



Ana Claudia Abrantes

Renitência

Formigas fazem ninho nos meus pulsos.
A água quente do chuveiro as elimina,
mas os buracos ficam.
Formigas fazem ninho nos meus pulsos.
A água quente do chuveiro as elimina,
mas elas sempre voltam.
Formigas fazem ninho nos meus pulsos.
A água quente do chuveiro as elimina,
mas não tapa os buracos.



Ana Claudia Abrantes