quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Ícaro

"afinal somos todos pedras sonhando asas." nydia bonetti


Quando Ícaro caiu,
o mar se abriu para fechar-se quebrantado,
o vento fez a breve pausa entre as nuvens
que se racharam em frestas.
A luz do sol em flechas lúcidas, douradas,
tingiu de listras amarelas e azuis
o fresco céu e os morros.

Quando Ícaro caiu,
a terra deu seu espetáculo aos bichos todos
e todos viram um objeto ainda animado
arremessado do alto.
Era um dia claro.
Eu vejo as penas se soltarem dos emplastros
de cera em grude, inteligência e fogo-morto,
e feito chuva em forma de papel picado
penugens viram fogos vítreos, delicados
para o brilhar do dia:
foi lindo.

Quando Ícaro caiu,
também mediu
o sonho intenso de alcançar o que era alado,
o sonho bobo de se alçar do chão ao topo:
Ícaro era novo...

Antes de Ícaro cair,
não havia
um só grito suspenso pelo fato,
um só gemido, uma lágrima, uma lástima.
Era só brisa em harmonia e um querer bem.
E sempre o sol tingindo e, morno, tenazmente,
cobrindo a grama, a praça, a igreja, a escola, o pátio,
reaquecendo a pele, os olhos e a cabeça.

Quando Ícaro caiu,
ele não sabia
que era a última vez.




Ana Claudia Abrantes

2 comentários:

nydia bonetti disse...

Que bonito Ana! Vertiginosa queda. E seguimos sonhando... bjos!

Tania regina Contreiras disse...

Alado poema, forte, intenso.
Parabéns, Ana.
Beijos,