terça-feira, 8 de junho de 2010

Sem nome (Água corrente)

Sempre comi voraz o que me pesa em pesadelo e o que me refrigera nas pausas.
Respiro para que tudo se evole e respiro de volta tudo o de que sou feita:
gergelim e aço, salpicada e firme.
Não sinto pena do meu signo nem me arrependo dos arrependimentos que tenho.
Porque há em mim dois seios em que amamento até meus inimigos.

Mastigo a memória do que quase me mata todos os dias e essa pulsação é que me amplia
para além de minhas margens,
e então, meu núcleo e minha periferia gozam junto comigo
e é bom.
Lembro dos meus amores e sinto a boca amarga, um vazio no esterno.
Lembro de Adão, de Ângelo, de Hilário
e me amasio com cada corpo passado, cada vulto de sorriso entrecortado,
cada mania, cada falta.
Brinco com seus cheiros esquecidos e pingo limão no café
para testar o paladar e assim
tentar nomear o que já naquela época não tinha nome.

Agora tomo a vida pelas minhas rédeas para poder trotar em Pedro, em Gabriel, e em Leonardo não, porque é o único inocente.
E cada um deles, um rio diferente, mas, hipópótamos, lá moram,
também um pouco sagitários.
Estão todos hoje dentro de mim ainda e talvez sempre, mulher 350, como Mário:
sou eu e Joaquim, eu e Fátima, eu e Teresa, eu e Lívio - os meus homens.
E aqui, conjunto de amores, lembranças, flores e florestas,
eu coleciono dores que não doem mais, tenho saudade de promessas que já não têm eco,
soletro nomes apagados com água.
Água - este solvente de tantas matérias,
esta prova de amor dos meus amores.


Ana Claudia Abrantes

Nenhum comentário: