quarta-feira, 28 de novembro de 2007

água na boca

mastiguei tua presença como se estala sal na ponta da língua
como sorvendo ardência de tamarindo
como adoçar limão na ostra
que saliva em pêlo áspero,
cai em gota cítrica
que quebra, enfim,
caquinhos ácidos
nos pés
nos pés
nos pés.

Ana Claudia Abrantes

rasos d'água (2º tempo)




lácrima plus a olho nu vista
é lupa por atravessar o olho mágico.
num frasco plástico de solução coloidal,
plus lágrima estepe.
para olhos secos e soluções ressecadas.

mas

por trás das pálpebras
um oceano de luz a dentro: fotofobia.

a solução oftalmo-lógica é enfocar-te e tu a mim.
ph neutro para alívio da córnea, meu coliriozinho de afeto,
beija-me os olhos fechados!
e venda-me a todos os defeitos
para umectar-me a alma, o corpo e meus olhos azuis,
claros.

Ana Claudia Abrantes

terça-feira, 20 de novembro de 2007

constatação




o meu amor é a minha história


ambígua de prazer e dor.


mas as melhores coisas dessa vida...


todas têm duplo sentido.





Ana Claudia Abrantes - poema

Jacques Kalbourian - imagem

mandamentos


amar também o esdrúxulo sob a pele,

mastigar as margaridas sobre a mesa,

deitar com um corpo cujas carnes,

dobram-se sobre suas carnes que serão iguais.

nunca fugir das putas, e sim pedir-lhes informações

das mais corriqueiras.

na adolescência não fumar nem cheirar

porque há o perigo de tragar o próprio corpo, e sabe-se.

saber-se aberração _

fantasiada com a moral, é um segredo.

amantes e amigos não se aproximariam se soubessem

a inocência vil, o verme

que excreta flores.

mas amar

e pagar também o preço.

e depois de provar tudo,

voltar todos os dias

tradicionalmente azul.


Ana Claudia Abrantes

Sob influência do filme “A pele”.

sertão


ser tão dentro...

ser nada.

árido ser tão sem água.

ser tão dentro, sertão:

terra fértil, infértil craquelada

pela seca desses tempos tão sem.

ser tão dentro hoje é

sertão dentro aqui.


Ana Claudia Abrantes

o bonde

e eu não vou fugir na contra-mão

porque o bonde só quebra quem se choca

e só pega quem corre ou salta

ou faz outro malabarismo qualquer.

ademais

meu pai amava andar de bonde

porque lá se contempla o que se deixou ao correr

e o que se quer alcançar, sentando.

pai, o bonde é mesmo uma lição de vida.


Ana Claudia Abrantes

incompetência

amar em diagonal é coisa mais esquisita

mas ama-se

ama-se um alcoólatra, uma falsa,

ama-se a testa franzida (tão bonita) dele.

ama-se até o barulho que ela faz ao mastigar.

ama-se quem se engrandece e quem se anula.

amar, em geral, não é coisa desse mundo, não.

é uma visita que o Amor insiste em fazer a esse planeta

e depois vai embora,

deixando o homem com essa rosa em botão

(ele não sabe cuidar)

nas mãos aflitas.


Ana Claudia Abrantes

estética da violência (sobre meninos e bailarinos)

a vida sem poesia é corpo em risco em queda em livre audácia do impacto,

em choque cáctus _ tenso elástico rompido.

é também uma estética, uma fórmula máscula do selvagem épico-narrativo

de menino abrupto.

a vida sem poesia é haste tensionada até o máximo grau impossível, é teste.

é testículo, é a testosterona dos sentidos primários na força ancestral bruta real patética e necessária (?).

é baque, é batuta, é percussão de samba sem letra candomblé e batente.

Scorsese, Tarantino, macacos e meninos sem lei.

é pega, é polícia, é favela de verão, futebol, urro rock Rio fálico trágico tiro e faca.

a vida sem poesia é corrida, guerra, disputa, é técnica.

é vazão do ego maior que o ego maior que.

tudo é veloz no corpo em risco dos meninos

e bailarinos de pulos sem impulso, meta sem preliminar, gol sem finta, beijo roubado, equilíbrio-segundo

e assalto.

mas, no cordão de fogo e dínamo cabe, estranho e delicado, um doce monstro:

uma fresta de luz indireta, uma seta torta, uma porta aberta:

cabe, espaçoso e mágico, um gigante urso de pelúcia.

Ana Claudia Abrantes

02/11/2007)

(Cena 11 no Municipal, durante o Festival Internacional Panorama de Dança)

observação


se beijar uma mulher fosse pecado,

o pensamento estaria cheio de idéias,

e uma mancha de má qualidade

escorreria do canto da boca

do vinho tinto bebido no gargalo a duas.

beber o leite de outro leite

é dar de mamar ao desespero.

felicidade que não ousa fugir,

paralisada no intervalo dos julgamentos

e refresco das manhãs; agora

um pouco ainda mais delicadas.

Ana Claudia Abrantes