sábado, 1 de setembro de 2007

Sem título

Os meninos aqui têm aula de música e estou ouvindo um "Noite Feliz" ao som de violões e flautas vindo da outra sala. Só estou me interrogando por que justo o "Noite Feliz" agora em finzinho de abril. Mas está gostoso. Ih... pararam... Saco! Ela deve estar na parte teórica a professora. É bonita ela; não de uma beleza instantânea, dessa que faz homens e mulheres imantados acompanharem a efêmera deusa (ou deus) no seu caminho de glória vã. Não. Ela tem um quê de delicadeza misturada com sofisticação, uma simpatia combinada a uma polidez que se reflete polida nos cabelos negros quase à cintura e na forma longilínea. Uma fêmea, mas tão feminina. E distante... ah, distante como se penetrasse às vezes num vazio até de nada meditador, distante como se soubesse. Como se soubesse.
O menino ligou o ar-condicionado mais forte agora, não vou suportar com essa garganta pedindo água e calorzinho de chá de mãe, ou de cachaça. Saco! Tenho a impressão de ele estar olhando por trás a tela do computador. O que será que tanto escrevo? "O quartel pegou fogo, a polícia deu sinal, acuda, acuda, acuda a bandeira nacional." Os flautistas, menino, estão aqui do meu lado, vou avisar à minha outra amiga anacrônica que os flautistas de Conservatória se esconderam na sala de música. São bochechudos.

Escrevo como se a vida não bastasse _ idéia de Fernando Pessoa. Mas não basta mesmo! Ele, o Pessoa, emenda que a arte e a literatura estão aí pra mostrar que essa merda toda não é suficiente, não é a vida que se tem por dentro nem por fora. É rente, é chão. E o que nos faz levitar? Os "levantados do chão" não levitam desgarrados de sua terra. Alguns alunos que tive, pobrinhos, pobres ou pobrezinhos não levitavam no caminho que faziam de volta pra casa zigue-zagueando entre balas perdidas e caminhos impossíveis porque simplesmente eles não haviam aprendido a acreditar. "E o salva-vidas não está lá porque nãovemuuuuuus".
Eles agora começaram um "Cai cai balão" só de flautas e escuto-a dizer que não parem. O menino da sala do computador. Nunca aprendeu nenhum instrumento. Não deve ser legal que ele veja seu nome aqui. O sinal toca e o vento do ar-condicionado parece estar apontado pra minhas amígdalas. Mas ele é um fofo! "Professora, se o ar estiver muito frio, a senhora me avisa que eu diminuo." Eu estava me encolhendo... Que idade ele tem, 22, 24? Alguns de meus alunos têm menos, uns dezoito e a minha pretensão me faz acreditar que precisam tanto de mim... Preciso deixá-los, ir embora. "Acuda, acuda, acuda a bandeira nacional". Moça linda e distante como garça de penas negras, conta pra eles o sentido dessa canção. Acuda, acuda, acuda a bandeira nacional! Tá, tá, tá, preciso ir, tenho uma depilaçãozinha marcada no salão aqui perto e não posso acudir mais ninguém agora.

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