sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Quarto de despejo




Quanto maiores
os cílios
acumulam mais poeira.
Tapetes quanto mais felpudos: poeira.
Cortinas bem decoradas, poeira.
As pucumãs debaixo das escadas,
o pó decantado nos degraus.
Cobrindo o tempo nos móveis,
os lençóis acumulando ácaros.

O tempo parando nas casas,
o tempo no abandono dos quartos de despejo,
o tempo mal iluminado.

Poeira. Purpurina neutra salpicada com cuidado sobre as horas,
brilhando no feixe da tarde que insiste
em entrar pelo vidro da janela fechada.

A poeira aderindo à pele, no exame da ponta dos dedos
que passam
sobre a superfície da estante e da mesa, sobre a capa dos livros.

Os cílios,
quanto mais felpudos e bem decorados: poeira e rímel.
Uma camada negra e grossa de delineador
desde o canto até as extremidades.
Os olhos
por baixo da poeira dos cílios enfeitados
ainda reconhecem o que os dedos tocam:

as cinzas,
salgando a delicada aspereza, lenta, dos dias.




Ana Claudia Abrantes

3 comentários:

Letícia Palmeira disse...

Eu adorei esse lance da poeira. Fiquei aqui pensando no pó acumulado em mim.

Poema lindo, Ana.
E eu voltei ao Lírica Subversiva. Não tenho o cuidado que você tem com as palavras. Mas falo.

Beijos.

Rebeca dos Anjos disse...

Maravilhoso, Ana!!

"Poeira. Purpurina neutra salpicada com cuidado sobre as horas".

Poeira como purpurina do tempo. O tempo que, encoberto pela poeira brilhante, tem ares de sonho.

Beijão!

Nilson Barcelli disse...

Belíssimo, adorei.
Ana, minha querida amiga, desejo-te um Feliz Natal e um ano de 2012 cheio de coisas boas para ti e para a tua família.
Beijos.