sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Sete de setembro


A última coisa que os praieiros pensam hoje é na consolidação da colônia fulana de tal como um país soberano (?) chamado Brasil. Um país de caras lindas loiras, brancas, morenas, negras, sararás e, por que não, provisoriamente ruivas. E essas se espalham feito febre na cidade. Do roque ao samba, cabeças vermelhas fazem a moda. Uma droga. Vejo-me obrigada a retroceder ao toque colorido que, penso, caíra-me tão bem. Vi que aos poucos vou acastanhando minha imagem e perdendo a força quente dos primeiros meses bandeirantes com a tinta seis barra quarenta e sete exótico. Eu havia demorado a acostumar, mas depois achei que já havia nascido assim, vermelha...

A última coisa que os praieiros pensam hoje é na consolidação da colônia fulana de tal como um país chamado Brasil. Um país de gente pobre no sinal. Um não tem a extremidade dos dois braços, é descoordenado, não tem pernas; é transportado por uma cadeira-de-rodas guiada pelo peso gordo de um jovem não-trabalhador, que certamente só tem o ofício de empurrador de portador de necessidade especial do sinal do Recreio ao lado do Mundial em direção à Linha Amarela. Duas necessidades que se cruzam na mesma porcaria de encruzilhada e mancham a oração-no-carro do meu dia. Que coisa feia minha última frase! Esse Deus gordo e barbudo sempre me castiga quando pronuncio coisas fora da ética e da estética. Perdoe-me, Amigo, mas o Rio de Janeiro não deixa ninguém em paz, em silêncio interior ou em felicidade de dez minutos. Não tenho trocado (mesmo!) e o da cadeira sai reclamando graves impropérios contra a não-solidariedade, indignidade, miséria humanas. Eu também mancho o dia dele com meu carrinho tão pouco para mim, meus óculos escuros (está muito claro, poxa!), um emprego, uma cama de família, algum raro ócio. A fileira de carros irmãos (alguns nem tanto...) do sinal mancha aquela vida de falta e, ô, Barbudo, impossível não perguntar “Por quê?” É isso, “por quê?” Tão perto da praia, uma praia tão linda, mar aberto, areia clarinha, horizonte amplo, mas ali no sinal o horizonte daquelas misérias é nenhum? Para quê? Para poder ter concurso de fotografia sobre o Rio, cidade de contrastes? Para isso? Ei , ei, Senhor Gordo, é isso?

A última coisa que os praieiros pensam hoje é na consolidação da colônia fulana de tal como um país chamado Brasil. Então, feriado é dia de ligar para os amigos e ver como estão. Ela me atende guiando sua bicicleta econômica pelo trânsito em direção à praia nossa de todo fds com sol, passa pelo túnel berrando obscenidades contra minha discplicência de amiga de longa data e, no fim, me convida para tomar uma cerveja em Santa à noite, depois de eu trabalhar em casa, e ela também. Vai dispensar todo mundo para ficar só comigo, gostosa.

A última coisa que os praieiros pensam hoje é na consolidação da colônia fulana de tal como um país chamado Brasil. E eu penso que o trabalho me espera, mas a exposição do Rosa também, meus primos queriam ir comigo também, eu queria conseguir ver meu gentleman amigo virtual que espera meu tempo, uma anja diabinha sugeriu-me infernizarmos o Morro da Urca no feriado ou atacarmos o Jorge Ben Jor no Circo, mas eu tenho onze envelopes de carga para atualizar até segunda-feira e prefiro amanhã ir me recolher no sítio onde vou poder trabalhar um pouquinho junto da natureza , junto de amigos velhos e outros provavelmente novos e, quem sabe, junto de um pouco de paz que aqui no Rio não está existindo para mim. Meu Rio querido/odiado, meu bem, meu mal, amém.

A última coisa que os praieiros pensam hoje é na consolidação da colônia fulana de tal como um país chamado Brasil.

Desculpe, mas eu também não consigo hoje. Não consigo sentir um país. O sol, que há muito não vinha, finalmente deixou o céu aberto, com nuvens brancas como a minha pele a esperar os raios mais amenos de um dia delícia como esse, e eu aqui tentando parar de escrever essa crônica que insiste em jorrar abobrinhas e verdades capazes de me distanciar do trabalho. A praia deve estar cheia de cariocas que não agüentavam mais os dias nublados que a Calcanhoto já havia sinalizado como terríveis para nós. A praia deve estar cheia de trabalhadores que desafiam as leis da física no ônibus, no trânsito, no trem. Cheia de gente estafada, esbanjando alegria nas areias que escaldam nossas desesperanças. O sol finalmente veio, afinal “para todo o mal, a cura”.

Perdoe-me, Deus. A última coisa que eu penso hoje é que a fome de tudo ainda mata meus irmãos, meus não-irmãos, meus amigos, meus assassinos. Porque olhando da janela pra tudo o que existe e que é lindo, olha aquele menino..., tive a resolução de decretar por ora a minha independência, mesmo que amanhã seja novamente o dia de eu ser colonizada pelos prazos e papéis, como tantos brasileiros. E aqui vou eu à praia.


Ana Claudia Abrantes

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