Lendo uns apontamentos sobre Clarice Lispector, fui obrigada a refletir sobre a beleza. Seguinte:
Que a beleza pode ser uma prisão é o óbvio repetido.
Carência, por exemplo. Carência demais corre o risco de ser algo bem feio. Lágrimas em excesso, falta, baba de choro, sofrimentos, letargia... Mas se um amigo, amigo mesmo, pergunta como vamos, querendo de verdade saber a resposta, quantos de nós não diríamos:
_ Ótimo! Melhor impossível!
E por trás dos olhos aquelas nuvens...
Acabamos de levar o maior pé na bunda, perdemos o emprego, fizemos a pior merda da vida. Mas está tudo ó-ti-mo!
Será que andamos querendo ser bonitos demais? Não fisicamente falando, mas... Todo mundo faz cara de paisagem... Eu mesma, quantas vezes não fui blasé...
E em nome da carinha blasé, da atitude blasé, em nome da não exposição, em nome da discrição, a bendita discrição...
Até agora a beleza da discrição não me revelou e, se eu não me revelo, serei pela metade, uma não-eu eternamente... Quase uma maldição isso...
A tal personagem do livro de Clarice Lispector (G.H.) se expõe à enorme surpresa diante da pobreza da coisa dita:
“Pois nunca, até hoje, temi tão pouco a falta de bom-gosto. Escrevi: “vagalhões de mudez”, o que antes nao diria, pois sempre respeitei a beleza (...) Disse “vagalhões de mudez”, meu coração se inclina humilde e eu aceito. (...) Quanto eu deveria ter vivido presa para sentir-me agora mais livre somente por não recear mais a falta de estética...”
E eu penso:
Quanto que a estética já não fez de mim metade de mim mesma? Quanto não impediu o outro de me ver? Quanto não me impediu o aprofundamento, a inclusão nas coisas, nas pessoas. Quanto o bom gosto não nos prejudica , tornando-nos pseudo-rochas, inalcançáveis, porém belíssimos...
Ana Claudia Abrantes
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